domingo, 4 de novembro de 2012

Naquele dia...


Naquele dia ele levantou mais cedo, tinha muita coisa para fazer, muitos lugares para ir.

Colocou a mesma calça que estava usando no dia anterior e escolheu uma camisa no guarda-roupa.

Não era uma camisa nova, mas estava limpinha e muito bem passada. Sua esposa passou na última tarde e enquanto passava acariciava o tecido, tocava o dedo em cada botão e via seu marido dentro dela, o mesmo homem por quem se apaixonou um dia. Podia até sentir seu cheiro, seu calor...

Apressado ele tomou a camisa, vestiu e saiu abotoando, nem deu tempo de tomar café, apenas pegou um biscoito sobre a mesa arrumada com todos os talheres, copos, xícaras e alimentos ali colocados... ele estava com pressa.

Andou por alguns lugares, mas lá pelas nove horas teve que interromper o itinerário, pois tinha que esperar uma pessoa chegar ao escritório para falar-lhe.

Sabendo que ainda demoraria mais ou menos meia hora, foi até a borracharia de um conhecido, cumprimentou quem estava lá e se sentou em uma grande câmara de ar.

Fazia pouco tempo que estava ali, passou um desconhecido, olhou para ele, cumprimentou-o e entrou na loja ao lado.

Quem será? 

Antes de encontrar a resposta, o estranho já voltava e sem que pudesse olhar novamente para ele, ouviu um estampido e outro e mais um... tinha algo ardendo em seu peito, quis levantar, olhou para o amigo querendo entender o que acontecia... já não conseguia respirar... fixou os olhos em um ponto qualquer, a luz do dia  ficou tremida, certamente por causa das lágrimas que brotaram em seus olhos, e essa mesma luz foi diminuindo... diminuindo... até se apagar.

Enquanto se apagava, porém, em segundos, ele pensou que deveria ter agradecido o carinho da esposa, ter dito a ela que a amava e que a vida sem ela teria sido muito mais difícil e bem menos alegre; deveria ter saboreado os quitutes do desjejum; deveria ter afagado seu filhinho que ficou deitado no berço (e agora? Quem cuidaria dele?); pensou em que adiantou toda a pressa; quem avisaria à pessoa do escritório que ele não voltaria; quem resolveria os negócios pendentes...

(Ainda teve tempo de se achar ridículo por pensar nisso e de ter certeza absoluta de que, naquele momento, nada mais importava... em breve ele não estaria mais ali.)

Muitos correram, alguns se esconderam... e o desconhecido continuou assim: desconhecido; foi-se embora entre os que corriam, virou na primeira rua à esquerda e foi para onde ninguém soube dizer.

Passados alguns instantes e tão logo o sangue voltara a correr nas veias de quem ficou, começaram a se juntar em torno dele que ainda identificou algumas vozes, gritos, desespero.

"Chamem a polícia!"

"Chamem uma ambulância!"

Mas só chamaram a primeira... para a segunda, já era tarde!

Perguntas feitas, distâncias medidas, corpo colocado na urna... quem ficou ajudou a lavar o chão, a jogar fora a câmara de ar...

Em pouco tempo estava tudo em silêncio e a borracharia fechada (porque ninguém tinha força para continuar a trabalhar naquele dia).

E lá na casa dele, sua esposa, ignorando o acontecido, nem ouviu a notícia no rádio, pois embalava o pequeno em suas brincadeiras e corria para aprontar o almoço que ninguém comeria... pra passar uma calça que ninguém vestiria... pra se arrumar pra alguém a quem nunca mais beijaria...

Texto de autoria de Alexsmárcio Oliveira.