Naquele dia ele levantou mais
cedo, tinha muita coisa para fazer, muitos lugares para ir.
Colocou a mesma calça que estava
usando no dia anterior e escolheu uma camisa no guarda-roupa.
Não era uma camisa nova, mas
estava limpinha e muito bem passada. Sua esposa passou na última tarde e
enquanto passava acariciava o tecido, tocava o dedo em cada botão e via seu
marido dentro dela, o mesmo homem por quem se apaixonou um dia. Podia até
sentir seu cheiro, seu calor...
Apressado ele tomou a camisa,
vestiu e saiu abotoando, nem deu tempo de tomar café, apenas pegou um biscoito
sobre a mesa arrumada com todos os talheres, copos, xícaras e alimentos ali
colocados... ele estava com pressa.
Andou por alguns lugares, mas lá
pelas nove horas teve que interromper o itinerário, pois tinha que esperar uma
pessoa chegar ao escritório para falar-lhe.
Sabendo que ainda demoraria mais ou menos meia hora, foi até a borracharia de um conhecido, cumprimentou quem estava lá e
se sentou em uma grande câmara de ar.
Fazia pouco tempo que estava ali,
passou um desconhecido, olhou para ele, cumprimentou-o e entrou na loja ao
lado.
Quem será?
Antes de encontrar a resposta, o estranho já voltava e sem que pudesse olhar novamente
para ele, ouviu um estampido e outro e mais um... tinha algo ardendo em seu
peito, quis levantar, olhou para o amigo querendo entender o que acontecia...
já não conseguia respirar... fixou os olhos em um ponto qualquer, a luz do dia ficou tremida, certamente por causa das lágrimas que brotaram em seus olhos, e
essa mesma luz foi diminuindo... diminuindo... até se apagar.
Enquanto se apagava, porém, em
segundos, ele pensou que deveria ter agradecido o carinho da esposa, ter dito a
ela que a amava e que a vida sem ela teria sido muito mais difícil e bem menos
alegre; deveria ter saboreado os quitutes do desjejum; deveria ter afagado seu filhinho
que ficou deitado no berço (e agora? Quem cuidaria dele?); pensou em que
adiantou toda a pressa; quem avisaria à pessoa do escritório que ele não
voltaria; quem resolveria os negócios pendentes...
(Ainda teve tempo de se achar ridículo por
pensar nisso e de ter certeza absoluta de que, naquele momento, nada mais importava...
em breve ele não estaria mais ali.)
Muitos correram, alguns se
esconderam... e o desconhecido continuou assim: desconhecido; foi-se embora entre
os que corriam, virou na primeira rua à esquerda e foi para onde ninguém soube dizer.
Passados alguns instantes e tão
logo o sangue voltara a correr nas veias de quem ficou, começaram a se juntar em
torno dele que ainda identificou algumas vozes, gritos, desespero.
"Chamem a polícia!"
"Chamem uma ambulância!"
Mas só chamaram a primeira... para a segunda, já era tarde!
Perguntas feitas, distâncias
medidas, corpo colocado na urna... quem ficou ajudou a lavar o chão, a jogar
fora a câmara de ar...
Em pouco tempo estava tudo em
silêncio e a borracharia fechada (porque ninguém tinha força para continuar a
trabalhar naquele dia).
E lá na casa dele, sua esposa,
ignorando o acontecido, nem ouviu a notícia no rádio, pois embalava o pequeno
em suas brincadeiras e corria para aprontar o almoço que ninguém comeria... pra
passar uma calça que ninguém vestiria... pra se arrumar pra alguém a quem nunca
mais beijaria...
Texto de autoria de Alexsmárcio Oliveira.
Texto de autoria de Alexsmárcio Oliveira.